Maria Ydalba de Jesus Miranda de
Carvalho[1]
Luiza de Marilac Vasconcelos Furtado[2]
O presente artigo tem
por objetivo discutir teoricamente as questões que envolvem o analfabetismo
dentro da atual sociedade feito a partir dos conceitos de alfabetização e
letramento. Inicialmente faz-se uma breve contextualização sobre a
alfabetização de um modo mais abrangente e direcionando a discussão na vertente
do surgimento de novas categorias de analfabetismo. A aquisição da língua
escrita é abordada neste estudo, sob o foco da interação social,
contextualizada com o cotidiano do educando. A contribuição teórica de Vygostky
(1987) é a fundamentação sobre o desenvolvimento da linguagem para uma melhor
compreensão da aquisição da leitura e a escrita entre outros autores. O letramento também é abordado, como uma proposta nova em resposta
aos anseios da atual sociedade, como referência citamos Magda Soares. A
aquisição da escrita é ressaltada, também, como forma de demonstrar a
importância de se repensar a formação do professor alfabetizador, agregando a
esta novos elementos, pois assim ele terá consciência da importância desse
período na vida escolar do educando. Concluindo o trabalho é apresentada uma
reflexão sobre o a aquisição da leitura, objetivando ampliar o estudo sobre a
alfabetização.
O ato de escrever com clareza e
precisão, parece ser o desejo de todo professor para com seus alunos,
principalmente aqueles das séries iniciais. Assim, compreender a aquisição da
escrita é de suma importância para o alfabetizador que lida com o ensino básico
da língua. Desta forma pensar os processos que
envolvem a alfabetização é nosso foco, para que desta forma possamos contribuir com a formação do professor
alfabetizador, no que se refere aos instrumentos necessários para trabalhar a
aquisição da língua escrita.
Partindo da premissa que houve uma
redução no quadro do analfabetismo no Brasil, em função dos dados estatísticos
demonstrarem que é crescente o número de pessoas que aprenderam a ler e
escrever. No outro lado encontramos outro fato:
as ciências e a tecnologia avançam em passos largos, a sociedade vai se
tornando mais centrada na escrita e na habilidade de pensar. Um novo fenômeno
se evidencia: não basta somente aprender a ler e a escrever é preciso interagir
com as informações desta leitura de forma a compreendê-la, analisá-la, realizar
síntese e estabelecer relações.
As pessoas se alfabetizam, aprendem a
ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática de leitura e a
escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não têm o hábito
de ler jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, uma declaração, não
sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples
telegrama, uma carta, não sabem utilizar um catálogo telefônico, não sabem
interpretar uma conta de luz, uma conta telefônica, uma bula de remédio, entre
outros. Todas estas dificuldades emergem no novo cenário econômico, social,
político e cultural da sociedade, surgindo então a necessidade de uma nova
proposta no campo educacional. O letramento, visto como uma nova proposta de
alfabetização que vai além da simples decodificação dos signos gráficos. Diante
de tal fato, a aquisição da língua escrita e da leitura nos motiva a refletir
sobre esta temática, por considerá-la como um conhecimento básico para inserção
na sociedade globalizada.
Em função do curto tempo
disponibilizado para a realização da pesquisa pelo programa do curso de
especialização em
Língua Portuguesa e Literatura, a referente pesquisa
restringe-se a uma pesquisa bibliográfica, destacando os estudos de Vygostky no
que se refere ao desenvolvimento da linguagem buscando assim encontrar
elementos teóricos que possibilitem uma melhor compreensão da aquisição da
língua escrita.
O presente artigo encontra-se
estruturado em nove segmentos. O primeiro faz uma contextualização da alfabetização
e dá destaque para o analfabetismo atualmente. Em seguida, é trazemos a
formação do professor alfabetizador, pontuando alguns elementos sobre a
aquisição da língua da escrita e da importância da leitura.
É abordado o desenvolvimento da linguagem
na concepção de Vygostky como uma fundamentação para a proposta do letramento e
a leitura com uma ação que é complementar a aquisição da língua escrita. Desta
forma, apresentamos nossa reflexão e as contribuições deste estudo para
contribuir com os debates sobre o assunto.
2. Alfabetização: um
novo olhar
Tomemos como ponto de partida os
comentários que comumente ouvimos, quer seja nas escolas, principalmente nas de
Ensino Fundamental, quer na sociedade, sobre a incapacidade do aluno ler e
compreender um texto. Para um número grande de sujeitos que aprenderam a ler e
a escrever, este fato não é suficiente para incluí-los na sociedade e no
mercado de trabalho. A exclusão é diferenciada, mas real e dolorosa, resultado
do uso limitado da palavra escrita. É
comum ouvirmos de muitos leitores, diante da leitura de
um texto, na língua que é sua e que lhe foi ensinado: “não entendi nada”.
Pode ser um formulário para obtenção
de um documento, de um emprego, a bula de um produto químico que pode causar
bem ou mal. O conteúdo de uma prova, as instruções para estar em segurança em
algum lugar ou circunstância, as informações para o uso de um aparelho, a leitura
de um jornal ou uma revista, as contas de água, luz e telefone que precisam ser
entendidas, as instruções de um certificado de garantia. O levantamento de
saldo em um talão de cheques. A determinação do total de juros em anúncio de
empréstimo. Cálculo e entendimento de impostos a pagar. Enfim, uma série de
leitura que vai além da simples decodificação de signos gráficos.
De acordo com os dados do Instituto
Ecofuturo (2007), o número absoluto do analfabetismo sem escola é de 113
milhões. Para 861 milhões de seres humanos de cada cinco pessoas de mais de 15
anos, uma não pode se integrar no ambiente alfabetizado em que vive porque não
sabe ler nem escrever:
Para bilhões de seres humanos, um novo dia
acarreta sentir-se cada vez mais estrangeiro no mundo da era da informação, na
qual só entrou uma pequena parte da humanidade; ser espoliado da herança
científica e cultural fixada por meio da palavra escrita, que pertence a toda a
humanidade e que nos permiti conhecer tanto os valores e certezas adquiridas
por nossa comunidade planetária como os efeitos dos grandes fracassos coletivos
resultantes da intolerância, da crueldade e do fanatismo. (2007, p.29)
Além do analfabetismo que ainda assola o quadro educacional
brasileiro, uma outra categoria de analfabetismo surgiu nos bancos escolares,
em 1958, a
UNESCO falou pela primeira vez do analfabetismo funcional. Conceituando como
funcionalmente analfabeta uma pessoa incapaz de ler e de escrever, entendendo,
uma exposição breve de fatos relacionados à sua vida cotidiana. Em 1978, o
conceito de analfabetismo funcional foi ampliado, passando a incluir o desenvolvimento
pessoal e a participação na vida da comunidade:
São funcionalmente analfabetas as pessoas que
não são capazes de exercer todas as atividades para as quais a alfabetização é
necessária no interesse do bom funcionamento de seu grupo e de sua comunidade,
nem de continuar a ler, escrever e calcular com vistas a seu próprio
desenvolvimento e ao da comunidade. (UNESCO, 2007, p. 29)
A Organização das Nações Unidas (2007) acrescenta ao conceito
de analfabetismo funcional a insuficiência no domínio da sua língua para entender
as instruções de funcionamento das ferramentas de seu ofício, necessárias no
desempenho de suas atividades profissionais, correspondendo assim ao trabalhador
produtivo. Além de trabalhador o individuo precisa entender seus direitos e
deveres na sociedade em que vive para poder viver plenamente como cidadão.
O Programa Internacional de Avaliação em Leitura (PISA)[3]
CITE NA REFERENCIA OS DADOS DO DOCUMENTO CONSULTADO é um programa internacional
de avaliação comparada, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre
a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na
faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica
obrigatória na maioria dos países.
Em 2000 o PISA avaliou[4] a
habilidade de leitura, mediante a aplicação de um teste de leitura em 32
países, com o objetivo de verificar a capacidade de leitura de alunos com 15
anos de idade, independente da série que tivesse cursando. O Brasil ficou em
último lugar com a média de 396, demonstrando que os alunos são capazes de
decodificar palavras e frases, mas, em sua maioria, incapazes de compreender um
texto lido. O quadro abaixo mostra os critérios dos primeiros e do último nível
de avaliação do teste de leitura do PISA.
NÍVEL 1
(335/408)
|
NÍVEL 2
(409/480)
|
NÍVEL 5
(MAIS DE 626)
|
·
Localizar informações explícitas no texto lido
|
·
Localizar informações que podem ser inferidas.
|
·
Localizar e organizar informações em texto
inferindo a informação.
|
·
Reconhecer o tema principal
|
·
Reconhecer a idéia principal e compreender seu
sentido.
|
·
Demonstrar compreensão global e detalhada de um
texto.
|
·
Construir conexão simples entre informação e seu
cotidiano.
|
·
Comparar conexões entre um texto e o conhecimento
extraído de experiências pessoais.
|
·
Avaliar criticamente ou por hipótese um texto.
|
O resultado apresentado pelo PISA, preocupa não só os países
como o Brasil, mas também muitos países desenvolvidos que não obtiveram as
primeiras posições. Os Estados Unidos da América foi surpreendido com seu
trinta milhões de americanos com dificuldade no processamento do material
escrito, apesar da permanência dos alunos na escola ser uma das mais longas do
mundo.
Para Roberta Bencini (2006) a Avaliação Nacional -
o Prova Brasil, realizada sob orientação do Ministério da Educação e Cultura em
2005 em quase todas as capitais brasileiras, o resultado obtido pelos
estudantes da 4ª série em Língua Portuguesa foram notas que deveriam ser
comum da 1ª série, sendo: 61% desses alunos não conseguiram identificar as
principais idéias de um texto simples e 60% dos alunos da 8ª série não sabem
interpretar um texto dissertativo. Em outra pesquisa realizada pelo Instituto
Paulo Montenegro mostra que 74% dos brasileiros são analfabetos funcionais,
pois, não conseguem ler, não compreendem nada mais complexo que um bilhete. De
quatro pessoas, só uma é capaz de entender o que está escrito em qualquer texto
minimamente complexo.
Tal quadro é preocupante. O atual conceito de alfabetização, envolve
habilidades de lê, seleciona informações e utilizá-las no dia-a-dia. Neste
conceito está inserida a noção de letramento, por isso, ser alfabetizado não
significa apenas ler palavras, frases e textos, inclui também a capacidade de
converter as idéias e informações em mecanismos para re-elaborações de
conceitos pré-existentes que viabilizam a ampliação da compreensão sobre as
relações societárias. Neste contexto, é de fundamental importância para o
alfabetizador ter incorporado à sua prática o conceito de letramento. Entretanto,
consideramos importante salientar o conceito de letramento oferecido por Soares (2001, p. 27).
Letramento é o estado ou condição que assume aquele que
aprende a ler e a escrever. Implícita nesse conceito está a idéia de que a
escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas,
cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprenda a usá-la.
Dentro desta perspectiva, voltamos nosso olhar para a escola
por ser a instituição responsável pela tarefa de ensinar a ler e escrever,
sendo necessário e urgente a incorporação do letramento em sua prática de
alfabetização. O professor é o mediador do processo de ensino-aprendizagem. Obviamente
tal prática passa pela formação do professor alfabetizador necessitado de
elementos teóricos que sustentem sua ação, viabilizando exercitar nos educandos
as habilidades cognitivas de análise, síntese, inferência, estabelecimento de
relações entre idéias do texto e extra-textuais, estimuladas através dos
diferentes gêneros textuais. Considerando estas capacidades, Guiomar Nando de
Melo (2003) quando trata de sobre compromisso político e competência técnica que
o educador com compromisso político, mesmo que não possua competência técnica,
consegue direcionar sua ação pedagógica para a aquisição de instrumentos
capazes de superar a incompetência do uso da língua escrita e falada. E para o
nosso grande educador Paulo Freire a docência é um ato político e com este
mesmo pensamento Bozza (2003, p.371) nos ensina:
Se o homem se
constitui via linguagem, a escola também é responsável por essa constituição.
Se considerarmos o signo como combustível do cérebro, a aquisição de um sistema
de signos amplia imensamente a capacidade intelectiva do aprendente. Se a
escrita é uma das principais chaves para a aquisição do conhecimento, ensinar a
ler a escrever significa promover a inserção social. Logo, o ato de ensinar a
ler e a escrever implica num ato eminentemente político.
Saindo do compromisso político e transitando pela competência
técnica do professor, especificamente ao alfabetizador, é necessário que a
escola o auxilie na construção de sua prática docente proporcionando momentos
crescimento profissional, pois o ato de educar não é neutro. Para Kleiman
(1993, p.10) ao lermos um texto “qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso
sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se
deu nossa socialização primária, isto é, o grupo em que fomos criados”. Desta
forma , quando o professor lê textos na sala de aula ele não estará mediando
somente conhecimentos lingüísticos, mas também ampliando ou restringindo a
leitura de mundo, perpetuando ou não os valores existentes em si, engloba
perspectiva muito maior de inserção social. A alfabetização hoje tem uma nova
perspectiva, não só na decodificação de signos gráficos, mas numa proposta de
letramento, procurando contextualizar a leitura, evitando-se que o aluno saia
da 1ª série sem saber ler e escrever e conclua o Ensino Fundamental sem dominar
a leitura e a escrita.
Acreditamos que os argumentos aqui postos nos levam a refletir
sobre a formação de professores alfabetizadores, afinal esta é uma questão
central na discussão de qualquer forma de analfabetismo e demanda mais estudos
e debates, pois, o desenvolvimento do processo de aquisição da leitura e
escrita, depende em parte do envolvimento, criatividade e empenho deste
profissional como o facilitador do processo.
3.
Formação do professor
Ao se avaliar o desempenho escolar dos educandos, no que se
refere a alfabetização, uma série de fatores deve ser considerada, como: idade,
família, o contexto que o aluno está inserido, as condições da escola, dentre
outros fatores. O trabalho do professor sempre aparecerá em primeira instância
devido a sua importância no processo de ensino-aprendizagem, assim é de suma
importância entender sua Prática pedagógica a fim de se fazer uma análise mais
crítica da realidade educacional. Segundo Casemiro (2007), a formação do
professor é estratégica para a qualidade da educação escolar. Pois, professor
bem formado é um grande salto na qualidade para a melhoria da qualidade da
escola e da educação.
A formação do professor alfabetizador, de acordo com a Lei
9.394/96 (Art. 62), é a formação de nível médio, pois se entende que com está
formação ele pode ensinar até o 5º ano (antiga 4ª série) do Ensino Fundamental,
pode também alfabetizar. Porém sabemos que na prática esta formação não é
suficiente para um alfabetizador, pois este necessita de um conhecimento mais
aprofundado sobre a aquisição da leitura e escrita no contexto mais abrangente.
É desconhecida uma formação específica para o alfabetizador, pois todo
conhecimento sobre alfabetização é adquirida nos cursos de formação, em nível
médio ou superior, ou em curso de capacitação.
Outro tópico a ser ressaltado sobre o alfabetizador é que
muitas vezes o professor é lotado nesta sala de aula sem ter nenhum
conhecimento sobre a aquisição da língua escrita ou ter empatia com a alfabetização,
dificultando assim este processo. Há, portanto, a necessidade de uma preparação
mais específica para o professor alfabetizador ressaltando a epistemologia da
língua escrita e falada, no sentido desse profissional ser um conhecedor das
etapas de aquisição e apropriação da escrita e leitura, segundo a psicogênese
do conhecimento, embasado na proposta do letramento.
No mundo globalizado e informatizado que vivemos não há mais
espaço para se pensar somente na alfabetização apenas como decodificação de
símbolos, do tipo: “A babá do bebê é boa”, “O dedo do Didi dói”, “Vovó viu o
ovo do Ivo”. É preciso ensinar a pensar e estabelecer relações com o mundo em
que a criança vive:
Mais do que capacitar
o aluno a juntar letras e sílabas, é urgente que ele tenha a competência
colocada pela ONU com referência de pessoa alfabetizada: alfabetizado é aquele
que lê, seleciona informações e utiliza-as no seu dia-a-dia, pois todo o
trabalho com a Língua Portuguesa objetiva o letramento dos sujeitos aprendizes,
e implícito nesse conceito subjaz a idéia de que a escrita traz conseqüências
sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e lingüísticas, quer para
o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a
usá-la. (BOZZA, 2003, p.369)
Para que o alfabetizador possa realizar o seu trabalho a
contendo é antes de tudo importante pensar em que medida este profissional lê,
seleciona informações e utiliza-as no seu dia-a-dia e estabelece relações entre
as diversas formas de conhecimento. , pois todo o trabalho com a Língua
Portuguesa objetiva o letramento dos sujeitos aprendizes, Além do trabalho
docente, outros fatores estão atrelados a qualidade do ensino não sendo somente
o professor o único responsável pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem, mas a
sua formação reflete na sua prática e a sua aprendizagem projeta-se na
qualidade dos resultados obtidos no processo de ensino aprendizagem
O processo de aquisição da língua escrita passa por outras
áreas que não apenas as de coordenação motora, mas por questões conceituais e
sociais. La Taille
corrobora com tal afirmativa quando escreve:
[...] a escrita deve
ter significados para as crianças. Uma necessidade intrínseca deve ser
despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e
relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que se desenvolverá
não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de
linguagem. (1992, p. 58)
E neste sentido defende que apropriar-se da linguagem escrita é
inserir-se socialmente, ampliando certas capacidades superiores do cérebro sem
as quais a participação do sujeito na sociedade é deveras superficial.
Compreender esse fato significa conceber a linguagem como indispensável ao funcionamento
e desenvolvimento do cérebro, pois a linguagem é via que conduz o homem a se
constituir socialmente. Também é pela linguagem que o sujeito ocupa e produz seu
lugar no mundo, sendo ela própria sua forma de prisão ou liberdade. Assim a
linguagem significa encaminhar uma prática pedagógica que leva ao pensar, que
favoreça o desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações possibilitando
a integração em todas as atividades. Ter na leitura e na escrita sua função
social como primeira instancia para ensinar a ler e a escrever, é compreender o
valor da escrita e apropriar-se, de fato, dela. Partindo dessa concepção sobre
linguagem escrita, não é possível caracterizar o processo de alfabetização
apenas ao trabalho com fonemas, sílabas, frases ou palavras isoladamente. Para
o educando compreender o que é a língua escrita é necessário que as reflexões
sobre a mesma sejam contextualizadas (LA TAILLE , 1992).
A tabela a seguir, estabelece um paralelo entre as duas
concepções de aquisição da escrita, apresentada segundo Bozza (2003, p. 381):
Aquisição
do código escrito
|
Aquisição
da língua escrita
|
01.
Parte do treino da unidade menor (letra, sílaba,
palavra) para a maior (texto);
|
01.
Parte da apreensão da unidade de sentido da língua
(texto) para chegar à análise da partes (parágrafos, palavras, sílabas e
letras);
|
02.
Prioriza a apreensão de letras, sílabas e palavras;
|
02.
Prioriza a relação de dependência existente entre o
código e o significado;
|
03.
Desconsidera o caráter interacionista da linguagem
escrita;
|
03.
Tem como princípio maior o ato interativo presente na
leitura e na escrita;
|
04.
Concebe o processo de alfabetização como o
desenvolvimento das habilidades perceptivo-motoras;
|
04.
Concebe o processo de alfabetização como um aprendizado
que coloca diversas questões conceituais.
|
05.
Valoriza o traçado perfeito da letra cursiva;
|
05.
Trabalha com a legibilidade da letra maiúscula de
imprensa até o aluno compreender o funcionamento do sistema de escrita.
|
06.
Tem como principal conteúdo o domínio da ortografia e a
classificação gramatical;
|
06.
Trabalha com todos os conteúdos que conferem ao texto
objetividade, coesão e coerência, para que se efetive a interação entre autor
e interlocutor.
|
07.
Apresenta como base da organização do sistema gráfico o
princípio alfabético, isto é cada letra representa um único som e vice-versa.
|
07.
Pelo fato de trabalhar com todos com a linguagem como
interação verbal, apresenta todas as relações entre letra e som do sistema
gráfico, desvelando a necessidade da memória etimológica no gráfico das
palavras (um som pode ser representado por mais uma letra e vice-versa)
|
Como esta apresentação percebe-se a urgência de trabalhar a
aquisição da língua escrita de maneira contextualizada de forma que o educando
perceba o uso social da escrita. Assim, trazendo-o para a vivência de coisas
práticas, pois o processo de construção ativa do educando, permite que ela
participe de sua própria aprendizagem, mediante reflexão e elaboração de
hipóteses o aprendente vai construindo sua da escrita.
Nesta vertente, pode-se definir a escrita como um sistema de
representação com uso social para atender as diversas necessidades humanas e
não apenas, um objeto exclusivo da escola. Emília Ferreiro (1995, p.105) corrobora
com esta visão quando afirma que a concepção que a escola tem sobre o que é a
escrita influi bastante na aprendizagem da criança. Neste processo a mesma
aborda a escrita, ora como decodificação de signos gráficos, ora como uma forma
de representação da língua. Dependendo da concepção que tem a escola e a
professora alfabetizadora sobre a aquisição do código escrito ou de aquisição
da língua escrita. A escola é um excelente local para os educandos confrontarem
e refletirem sobre sua própria escrita e leitura, para revisarem o que fazem e
para compararem suas idéias com a de outras crianças, pois é através da
interação social que se dá a aprendizagem. Assim, a escola precisa entender o
desenvolvimento da escrita como um processo e não só em termos de resultados. O
professor alfabetizador nesse processo é o facilitador dessa aprendizagem, trabalhando
para que as crianças superem suas hipóteses sobre a construção da escrita,
oferecendo estímulos para despertar na criança o interesse pela língua escrita
favorecendo significativos avanços no seu processo de escrita objetivando a
apropriação da escrita propriamente dita.
Por fim, vale ressaltar que a criança que vive no ambiente
letrado, está mais exposta a materiais de escrita, facilita mais a sua
aquisição da escrita. No entanto, geralmente, as crianças da classe menos
favorecida, não vivem em um ambiente que ofereça estímulos para a leitura e
escrita, mas nem por isso, significa que elas não tenham condições de se
alfabetizarem. É neste ponto que apontamos o grande compromisso da escola e do
professor alfabetizador com as questões sócias ai subjacente. A escola como
instituição na sua função social não pode ignorar uma questão que se avoluma
dentro de seus muros. A formação do professor precisa oferecer condições para
que o professor tenha um olhar clínico e elementos para trabalhar esta
realidade.
5. Considerações sobre a
leitura
Aprender a ler não se restringe á capacidade de decodificar e
dar sentido às palavras. Além do aspecto cognitivo da leitura, deve ser levado
em conta o elemento afetivo. Um ponto relevante da alfabetização é o de formar
uma atitude favorável frente ao ato de ler, proporcionando prazer e gosto pela
atividade. Entretanto a formação do hábito de leitura nem sempre tem ocorrido,
chamando a atenção para uma nova forma de analfabetismo, já comentada neste
trabalho, denominada de analfabetismo funcional, ou seja, pessoas que apesar de
terem sido alfabetizadas, não fazem uso da leitura para ler o mundo.
Provavelmente, esse problema surge quando a leitura não encontra usos e funções
na vida real, no cotidiano, tendo um uso exclusivamente na escola.
Zorzi (2003) considera uma série de circunstâncias que podem
vir a intervir, de modo favorável ou desfavorável, no desenvolvimento de
habilidades de leitura e no seu interesse por ela. Por um lado, têm-se as
habilidades cognitivas e a conhecimentos lingüísticos, como a identificação e o
reconhecimento de palavras, o acesso ao significado, a integração de aspectos
sintáticos e semânticos e uma consciência da estrutura fonológica das palavras.
Na outra ponta, apresenta-se a tradição da leitura em um determinado grupo
social e pergunta-se neste contexto cultural, qual o papel atribuído ao livro e
as oportunidades de leitura e de acesso a livros. Nesta discussão poderia ser
apontadas variáveis individuais que correspondem a características pessoais do
aluno, como é o caso, por exemplo, de seu conhecimento sobre o assunto lido, as
condições sócio-econômicas da família e, como já foi apontado, a escola com
suas propostas de ensino e sua forma de abordar a aprendizagem. Vale mencionar
que, apesar destes fatores serem amplamente reconhecidos, a realidade mostra
que os esforços empreendidos para equacionar os problemas daí decorrentes,
estes não tem sido eficazes.
6. Desenvolvimento da linguagem
na perspectiva vygotskiana:
Falar
de desenvolvimento humano segundo a concepção de Vygotsky, é considerar a
dimensão social do indivíduo na sua relação com o outro. Sua fundamentação
marxista é clara e torna evidente esta dimensão social da consciência como
essencial, sendo desenvolvido no plano interno da consciência. O termo
“consciência” como também “funções mentais” são utilizados referindo-se ao que
chamamos de cognitivos. Funções mentais referem-se ao pensamento, a memória, a
percepção e a atenção. Em seus estudos, Vygotsky distinguiu duas funções
mentais: funções mentais elementares com atenção involuntária e funções mentais
superiores como processos voluntários, ações conscientemente controlados,
mecanismos intencionais tipicamente humano aparecendo tardiamente. Estas são
funções que apresentam o maior grau de autonomia em relação aos fatores
biológicos do desenvolvimento, resultado da inserção do homem num determinado
contexto sócio-histórico. Os processos mentais superiores, principal foco de
interesse, são regidos por sistemas simbólicos, onde a linguagem é o fundamento
básico do homem, pois serve de mediação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento, além de duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de
pensamento generalizante, isto é, além de servir ao propósito de comunicação
entre indivíduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando
as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é
compartilhado pelos usuários dessa linguagem.
A
ênfase dada nos seus estudos está sobre o processo histórico social e o papel
da linguagem no desenvolvimento do individuo. Sua questão central é a aquisição
de conhecimento pela interação do sujeito com o meio. Para ele, o sujeito é
interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e
interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado
mediação, referente a na interação do homem com o ambiente pelo uso de
instrumentos ao uso de signos. As relações entre pensamento e
língua são necessárias para que se entenda o processo de desenvolvimento intelectual,
neste sentido linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento adquirido
pela criança. Existe uma inter-relação fundamental entre pensamento e
linguagem, um depende do outro, mas inicialmente o pensamento na criança evolui
sem a linguagem, ou seja, os balbucios da criança se constituem numa forma de
comunicação sem intenção intelectual, fato explicado por Jobim e Souza (1995,
p. 87):
A criança tenta
atrair, por meio de sons variados, a atenção do adulto, e comunica suas
sensações de prazer e desprazer, que são habilmente decodificadas pela mãe ou
adulto significativo do seu meio circundante. Portanto a criança, nos primeiros
meses de vida, possui um pensamento pré-lingüístico e uma linguagem
pré-intelectual. O momento crucial ocorre por volta dos dois anos, quando as
curvas do pensamento pré-lingüístico e pré-intelectual se encontram e se
juntam, iniciando um novo tipo de organização do pensamento e da linguagem.
O inicio deste novo tipo de organização do pensamento e da
linguagem, mesmo a linguagem estando na fase pré-lingüístico e pré-intelectual
a função social da fala estar presente desde os primeiros meses de vida da
criança. Nesta relação entre pensamento e linguagem, são processos
interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela criança
modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao
pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o
planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem, sistematiza a experiência
direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento
cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.
Após a compreensão das raízes genéticas diferenciando do
desenvolvimento do pensamento e da fala na criança, os estudo de Vygotsky buscam
o entendimento sobre o pensamento verbal no significado da palavra, pois é
componente relevante nas funções básicas da linguagem citadas anteriormente. Há
dois componentes relevantes do significado da palavra: o significado
propriamente dito e o sentido. O significado diz respeito ao conceito estável
da palavra, por exemplo, a palavra shopping sempre irá se referir a um lugar
que reúne várias lojas, lanchonetes, supermercados, e outros. O sentido
refere-se a vivência de trabalho, para outro, lugar de diversão, descontração,
compras. Sendo assim a linguagem pode ser considerada sob várias
interpretações. “O significado de uma palavra representa um amálgama tão
estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil afirmar se trata de um
fenômeno do pensamento”. (VYGOTSKY, 1987 apud JOBIM E SOUZA, 1995, p. 93)
Os significados das palavras são
formações dinâmicas que se modificam e evoluem à medida que a criança interage
com o meio e se desenvolve e de acordo com as diferentes formas pelas quais o
pensamento funciona, insistindo em afirmar que a estrutura da fala não é um
mero reflexo da estrutura do pensamento. Vygotsky sugere um estudo mais
especifico para se compreender o processo de passagem do pensamento á palavra,
para ele é fundamental estabelecer a distinção de dois planos da linguagem
verbal: o aspecto interno, que é semântico e significativo e seu aspecto
externo que é sonoro. Tal distinção é percebida na criança, quando esta começa
a utilizar sons que acabam por se traduzir em palavras que irão formar frases
numa complexidade cada vez maior. Com o significado acontece o inverso.
Semanticamente a criança parte do todo e só mais tarde começa a dominar as
unidades semânticas separadamente, ou seja, a criança inicialmente se expressa
através do som para designar uma palavra e gradativamente vai introduzindo
palavras que depois irão se transformar em frases.
No inicio do desenvolvimento da linguagem “só existe a função nominativa
e semanticamente a referência é objetiva”. Desta forma explica conforme Santos
(1997, p. 74):
A princípio só há a função nominativa e,
semanticamente, a referência é objetiva. Somente mais tarde a significação se
torna independente da nomeação e o significado independente da referência.
Enquanto este desenvolvimento não se completa a criança utilizará,
preferencialmente, as palavras da mesma forma que os adultos, todavia seus
significados não serão necessariamente os mesmos; ela somente será capaz de
formular seus próprios pensamentos e compreender os de outrem quando tal
desenvolvimento se completar.
Neste processo, o significado surge mais tarde, embora a
criança seja capaz de compreender a fala dos adultos e vice-versa, no plano do
significado uma palavra pode não ter o mesmo sentido para ambos (SANTOS 1997,
p. 74).
A intervenção pedagógica proporciona avanços que não
aconteceriam naturalmente e, sim, apenas com interação do indivíduo com outras
pessoas. Para ele, a aprendizagem deve ser relacionada com o nível de
desenvolvimento da criança. A contribuição dos estudos de Vygostky sobre o
pensamento e a linguagem, é de valor incalculável e de fundamental importância
para compreender a aquisição da língua escrita no seu contexto social. A
influência de seus estudos é refletida na teoria construtivista de Emília Ferreiro
sobre o aspecto da interação social do atendente com o outro na aquisição da
língua escrita, pois é através dessa interação que ocorre o confronto de
produções escritas estimulando as mudanças dos estágios.
7. Mediação, linguagem e
aprendizagem:
Uma
concepção fundamental que o sócio-interacionismo traz à reflexão é a idéia de
que o conhecimento não se dá a partir da interação direta sujeito-objeto. Essa
interação é, em essência, mediada. Com isso, ele propõe a idéia de mediação, tendo por base a concepção de Marx e Engels, realizada
pelos instrumentos e signos. Os instrumentos são objetos
do mundo físico, aqueles que mediam a ação (e transformação) do homem sobre a
natureza. A possibilidade de transformação desta pelo homem seria infinitamente
menor se ele não houvesse desenvolvido e aprimorado os instrumentos que
auxiliariam a sua intervenção no mundo.
Os
signos aparecem como os instrumentos psicológicos, pois eles mediam o
próprio pensamento. A linguagem se constitui como o signo fundamental, tendo o
poder de representar simbolicamente objetos e eventos. Na ausência de um
objeto, ele pode ser representado através da linguagem sem que haja necessidade
de tê-lo concretamente ao alcance das mãos. Logo, a linguagem teria uma dupla
função, como discutido em Oliveira (1993), a de “intercâmbio social” e a de
“pensamento generalizante”. Neste sentido, Vygotsky em seus estudos atribui um
papel fundamental à linguagem, na constituição das funções mentais superiores,
pois mais do que comunicar o
pensamento tem a função de organizá-lo e estruturá-lo.
A
escola aparece como elemento mediador na apropriação, pelo indivíduo, do saber
historicamente acumulado ao longo do desenvolvimento da humanidade. Nessa
perspectiva teórica, assume um papel primordial, pois “a instituição escolar
foi criada para desempenhar uma função: a de comunicar às novas gerações os
saberes socialmente produzidos, aqueles que são considerados, em um determinado
momento histórico, válidos e relevantes” (LERNER, 1996, p. 95). E a
linguagem, enquanto instrumento estruturante do pensamento, deve ser explorada
nesse contexto como forma de representação e organização interna do mundo
externo. Mas a linguagem não pode ser percebida apenas como expressão verbal.
Diversas formas de linguagem devem ser exploradas no contexto escolar: verbal,
escrita, gráfica, pictórica, numérica, dentre outras.
Os
Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação e
Cultura - MEC (1997) apontam para essa reflexão, tanto no que diz respeito à
intervenção didática quanto ao processo de avaliação. Um único instrumento e
forma de expressão lingüística não podem dar conta do quanto o aluno aprendeu,
do saber do qual se apropriou ao longo de um período letivo. Esse saber
científico, apropriado no contexto escolar, não pode prescindir das
experiências cotidianas do indivíduo e do acervo de conhecimento que ele
acumulou ao longo de suas vivências no cotidiano escolar e extra-escolar. Isso
nos remete a outra análise extremamente produtiva dos legado que nos deixou
Vygotsky: a relação entre conceitos cotidianos
e conceitos científicos no
processo de formação de conceitos, mas que no momento não cabe abrirmos esta
discussão.
8. Letramento: uma nova
proposta.
Segundo Magda Soares (1998, p.28), letramento diz respeito ao
resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e
escrita, o estado ou condição que adquiriu um grupo social ou um indivíduo como
conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais; e
alfabetização que é ação de alfabetizar, ou seja, apropriação do código
escrito. “Alfabetização: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever.
Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. (SOARES, 1998, p.32)
Enfatizando tal diferença entre alfabetização e letramento,
entre alfabetizado e letrado; um indivíduo alfabetizado não é necessariamente
um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever;
já o indivíduo que vive em um ambiente letrado, é não só aquele que sabe ler e
escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente
às demandas sociais de leitura e de escrita, ou seja, cultiva hábitos de
leitura e faz o desta conscientemente e criticamente.
Entretanto, ressaltar o letramento não elimina a alfabetização,
propriamente dita, uma completa a outra acontecendo concomitantemente. É
preciso que haja conscientização e um direcionamento das escolas e principalmente
das professoras alfabetizadoras para esta nova proposta de, propiciando aos alunos
condições para uma alfabetização mais consciente. Magda Soares propõe duas
condições: uma é que haja escolarização real e efetiva da população, e outra é
que haja disponibilidade de material de leitura, onde o alfabetizando possa
entrar no mundo letrado, através do acesso aos livros, revistas e jornais, com
acesso também às livrarias, bibliotecas, cinemas e teatros.
Percebe-se que o letramento, apesar de ser uma proposta nova no
Brasil, para a educação, não surgi como mais um modismo e sim como uma
necessidade da população, frente aos novos desafios da sociedade. A importância
da aquisição da língua escrita e da leitura sobre o contexto social do uso
destas, ressaltando a relevância de se considerar o meio sócio-econômico dos
alunos e a prática pedagógica do professor no discernimento de suas atividades
para facilitar o processo de ensino e aprendizagem na aquisição da língua
escrita. O processo de letramento deve obrigatoriamente acontecer nas práticas
sociais de leitura e escrita, fora disto a leitura não é significativa, assim
sendo o resultado esperado não ocorre. É necessário que a aprendizagem a ser
estudada tenha um significado autêntico e para isso deve estar próximo de sua
realidade, é através do saber escolar que pode modificar e valorizar o que já
foi aprendido no cotidiano de cada um. O desafio didático para o educador é
estruturar condições para que ocorra uma evolução da situação inicial para
novos conceitos.
9.
Refletindo sobre o ensino da leitura:
Ensinar a ler e escrever não pode ser um ato isolado, é uma
ação que envolve várias ações e o professor tem papel fundamental nesse
processo. Ele precisa ser pesquisador, ousado e capaz de sugerir praticas eficazes
que garantam o aprendizado efetivo da língua escrita. A partir das idéias
defendidas por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985) no tocante à
psicogênese da língua escrita, modificou-se o entendimento do que venha a ser a
capacidade de ler e escrever.
Esta habilidade não se restringe à junção de fragmentos de
palavras, vai além, implica em compreender como funciona a estrutura da língua
e a forma como é utilizada na sociedade. Além disto, há os fatores intrínsecos
que muitas vezes podem entravar o processo, pois, “(...) ao lermos um texto,
qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e
atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilidade
primária, isto é, o grupo social em que fomos criados”. (8ª JORNADA DE EDUCAÇÃO
NORTE NORDESTE, 2006, p. 371)
Neste sentido, o ato de ensinar a ler escrever significa
promover a inserção social. Vivemos um momento de ampliação das desigualdades
sociais e do processo de exclusão social no país, que atinge cada vez mais os
setores menos privilegiados da sociedade, implicando em dificuldades
enfrentadas por esses setores em relação ao acesso ao processo de escolarização
e à permanência com sucesso no mesmo. Ser excluído do mundo letrado significa
estar à margem do acesso à grande parte das informações, do acesso ao
conhecimento escrito e, quase fatalmente, do emprego. Existe na sociedade novos
grupos de excluídos sociais em função de tal fenômeno: fala-se em analfabetismo
sócio-cultural: incapacidade de compreender a sociedade em que se vive, e
analfabetismo tecnológico: dificuldade para operar e interagir com as máquinas
e equipamentos complexos (MARKEZAN, 1999). A categoria mais antiga de novos
analfabetos é o já velho conhecido analfabetismo funcional definido Alvin
Toffler (apud
ROSENBERG, 2002, p. 3): “O analfabeto do século XXI não será o
indivíduo que não saiba ler e escrever, mas aquele que não conseguir aprender,
desaprender e reaprender. A alfabetização de jovens, adultos e idosos é uma
necessidade para ampliar as práticas sociais de leitura e escrita, ou seja, o
letramento. Todos os adultos precisam ser cidadãos, serem pessoas atuantes na
sociedade na qual vivem e consigam realmente usar o código escrito nas diversas
atividades do cotidiano. É na perspectiva do letramento, que a matemática
precisa ser trabalhada e incentivada em nosso país, ela tem sua história e seu
valor na humanidade, pois surgiu da necessidade de melhorar os relacionamentos
e controles dos seres humanos.
Na perspectiva Freireana, a alfabetização é entendida, como um
ato essencialmente político, que proporciona a leitura crítica de mundo e a
construção do sujeito histórico, através da apropriação do saber sistematizado,
que, quando confrontado com o senso comum, produz um novo saber. (BRASILEIRO,
1999). Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de
leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da
constatação de que a população, embora alfabetizada, não dominava as
habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e
competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita.
E neste mesmo sentido, Bloom (2001: 17) assim questiona sobre a importância da
leitura (Literatura): “Nos dias de hoje, a informação é facilmente encontrada,
mas onde está a sabedoria?” E pondera: “Caso pretenda desenvolver a capacidade
de formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais, o ser humano
precisará continuar a ler por iniciativa própria”. Estas são questões que
emergem de nossa sociedade condenada à superficialidade.
E assim, FREIRE (2001) defende que mediante da alfabetização, o
indivíduo pode estabelecer uma nova relação com o seu meio sócio-cultural,
sendo que o ato de ler converte-se em ação consciente, a partir da constatação
da realidade por esse indivíduo e da ampliação de sua condição de agente de
mudanças. A alfabetização que se propõe, é aquela capaz de fazer nascer o aluno
cidadão, isto é, o indivíduo visando a seus direitos civis e políticos e
cumprindo seus deveres para com o Estado. É, desta forma, inserido no mundo
globalizado e tecnológico.
O conhecimento neste contexto é um bem precioso. Investir em
bens permanentes como educação e hábito saudável de leitura significa
“transgredir a ordem da falta de esperança, do desânimo e da incredulidade no
ser humano” (FERES, 2008, p. 9).
E acreditar nessa forma de atrair a reflexão, a crítica e de conduzir à
humanização é dotar o indivíduo de uma capacidade de ver além daquilo que os
sentidos nos mostram, essa perspectiva fala de uma capacidade “a mais” de
entender o mundo e a si mesmo e, finalmente, torná-lo consciente de sua
capacidade de transformar a sua realidade - e a dos outros - numa experiência
fraterna e profícua. Este é um ideal de qualquer educador, que se aflige ao ver
o panorama que se constitui diante de nossos olhos e que o educador sozinho não
pode realizar ações de peso. Resta saber se a escola pode encabeçar e gestar
essa iniciativa tão urgente nos dias atuais, com certeza passará pelo
compromisso com uma metodologia que envolva estratégias de leitura de boa
qualidade, eficiente, crítica e que possa oferecer formas de conquistar o
prazer oriundo dessa prática, como afirma Abreu (2000: 34):
(...) a
primeira é a de poder transformar a informação - os traços pertinentes da
leitura - em
conhecimento. Isso acontece, quando sou capaz de utilizar,
criativamente, as informações, para mudar alguma coisa no mundo real. (...) A
outra forma de prazer é ser capaz de transformar o conhecimento em sabedoria e,
para isso é sempre necessário mudar alguma coisa em nós. Transformamos
o conhecimento em sabedoria, quando, ao final da leitura de um livro, já não
somos mais os mesmos. Transformamos conhecimento em sabedoria, quando somos
capazes, pelo conhecimento, de ganhar maior qualidade de vida. Para nós e para
os outros também.
A educação é ainda o melhor caminho para a formação desse
leitor, não necessariamente a educação escolarizada, pois a literatura é
repleta de material onde se discute a ineficiência da escola - apropriado
espaço educativo - e os resultados insatisfatórios das pesquisas sobre a
capacidade leitora do brasileiro. Feres (2003) em seus estudos revela, por
exemplo, que o trabalho desenvolvido no ensino fundamental para o
desenvolvimento da competência leitora mostra-se inconsistente, reprodutor de
uma prática irrefletida e insuficiente para dar conta das necessidades dessa
formação. As estratégias conhecidas de compreensão e de interpretação textual
acionadas em questões elaboradas por professores, além de não articularem os
conhecimentos adquiridos pelos alunos em relação à estrutura da língua com o
próprio processamento da leitura, não conseguem aproveitar as marcas textuais
relevantes para extrair os implícitos constitutivos do sentido (SOARES, 2003).
E a autora questiona: “Estará a escola preparada para formar novos e
proficientes leitores?”
É que, diante dos precários resultados que vêm sendo obtidos,
entre nós, na aprendizagem inicial da leitura com sérios reflexos ao longo de
todo o ensino fundamental, parece ser necessário rever os quadros referenciais
e os processos de ensino que têm predominado em nossas salas de aula, e ir
além, levando estas questões para a formação do alfabetizador. Outro ponto que
merece discussão é a possibilidade e mesmo a necessidade de estabelecer a
distinção entre o que mais propriamente se denomina letramento, de que
são muitas as facetas – imersão das crianças na cultura escrita, participação
em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com
diferentes tipos e gêneros de material escrito – e o que é propriamente a alfabetização,
de que também são muitas as facetas – consciência fonológica e fonêmica,
desenvolvimento das habilidades de codificação e decodificação da língua
escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma
sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Assim, considerando a
diversidade de métodos e procedimentos tanto para o letramento como para a
alfabetização, uma vez que, no quadro desta concepção, não há um método para a aprendizagem
inicial da língua escrita, há múltiplos métodos, pois a natureza de cada faceta
determina certos procedimentos de ensino.
10. Considerações finais:
Nas últimas décadas, a necessidade de conhecimento
revolucionou todas as áreas. Esse contexto impôs aos jovens e adultos e idosos
a necessidade de se aprimorarem a cada dia, buscando novas informações, novas
maneiras de se relacionar com as pessoas e com os equipamentos tecnológicos que
estão cada vez mais modernizados. Um exemplo de adaptação às mudanças no mundo
contemporâneo sem compreensão e sem habilidades foi ter de lidar com os
terminais de auto-atendimento nos bancos. Ainda hoje, nos deparamos com pessoas
- muitos jovens, adultos e idosos, que para efetuar saques eletrônicos,
permanecem parados aguardando ajuda para sacar seu dinheiro. Apesar de
conseguirem ler a primeira tela do terminal, se perdem durante o processo, seja
por falta de conhecimento, falta de agilidade, ou por uma espécie de cegueira
que os impedem de ler o que está escrito. Estes fazem parte de um grupo que não
lograram aprendizagem e encontram-se marginalizados com as mudanças em todos os
setores da sociedade e que é ainda mais grave quando se trata de acesso e
permanência ao mercado de trabalho.
Antigamente, a concepção de aprendizagem ficava distante do
trabalho, não havia uma relação estabelecida entre a teoria e a prática. Muitos
deixaram de estudar para trabalhar, pois o trabalho era produtivo e o
aprendizado não, tinham a convicção de que não voltariam mais aos estudos. A resistência às mudanças, à acomodação
dos seres humanos a uma rotina sem lutas e desafios é característica em
diversos grupos sociais, das mais diferentes etnias e classes sociais. A
cultura de um povo é passada de geração a geração, os hábitos, os costumes
permanecem durante anos, somente quando os seres humanos sentem necessidade
buscam o aperfeiçoamento, um novo conhecimento ou novas habilidades e atitudes.
Mas, “o paradoxo de nossa época é que
estamos inundados de informações, mas ainda com fome de conhecimento” (ROSENBERG,
2002, p. 59). E isto é
uma realidade ignorada ainda pela educação. Edgar Morin (2004) defende uma
mudança da educação e salienta a importância de promover o conhecimento dos
problemas globais e fundamentais para inserir os conhecimentos parciais e
locais. É preciso que os seres humanos tenham equilíbrio, conheçam os problemas
sociais, políticos e econômicos, saibam lutar e trilhar o seu caminho que será
construído a cada dia individualmente e com seu grupo social.
Diante das muitas leituras para
concluir este estudo, podemos observar que várias são as causas das
dificuldades de leitura e escrita apresentadas pelos aprendentes no decorrer de
sua vida escolar. Como resultado das questões colocadas no presente estudo,
como, a mecanização e memorização da escrita, caracterizando crianças que
realizam somente a codificação e/ou a decodificação das sílabas mais
trabalhadas em sala de aula e não são capazes de construir novas palavras a
partir destas mesmas sílabas, nem de utilizá-las em textos diversos. Tal
abordagem vê a língua como pura fonologia, apresentando à criança textos não
estruturados, que não passam de um agregado de palavras desconectadas, sem
coerência e coesão.
Ao alfabetizar o aluno com embasamento
no método tradicional, valoriza-se o produto final do ato de ler e escrever,
entendendo-o como decorrente da aquisição de habilidades como, aprender a
técnica, desenvolver a coordenação motora, discriminação visual, o uso de
lápis, do papel, e outros, o que gera ênfase primordial na automação da escrita
para, numa segunda etapa, voltar-se para a compreensão ou interpretação do
texto, em detrimento ao processo de construção da língua escrita pelos alunos.
É centrado no professor e valoriza a cópia, podendo conduzir muitos alunos ao
analfabetismo funcional.
O alfabetizador que atua com postura não tradicional valoriza um
ambiente alfabetizador,
que facilite a interação do educando com os mais diversos tipos de textos,
dentro de um clima de liberdade para participar das propostas e construir o ato
de ler e de escrever. Procura trazer para a sala de aula tudo que possa motivar a criança,
despertar sua curiosidade e o desejo de ler, utilizando a decodificação
possível naquele momento, como identificar a letra inicial, final ou as
intermediárias para antecipar o significado da escrita de, por exemplo, painéis
contextualizados, receitas, rótulos de produtos bem conhecidos, que auxiliarão
na produção de textos individuais e coletivos, pois considera que é possível ler
quando ainda não se sabe ler convencionalmente, e que é dessa forma que
se pode aprender, tratando os alunos como leitores, desde sua entrada na
escola.
Como resultado das questões colocadas no presente estudo, esperamos
contribuir para a reflexão dos alfabetizadores sobre a sua prática educativa, e
da instituição escolar como responsável pelo fruto do processo de escolarização
e das instituições formadoras de alfabetizadoras como co-responsáveis pela
inserção social. O educador enquanto mediador do processo ensino-aprendizagem e
protagonista na resolução e estudo das dificuldades de aquisição de leitura e
escrita deve obter orientações específicas para que desenvolva um trabalho
consciente e que promova o sucesso de todos os envolvidos no processo.
11.
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[1] Aluna do Curso de Especialização em Língua Portuguesa
e Literatura da Universidade Vale do Acaraú ano 2008. Graduada em Pedagogia com Habilitação em
Língua Portuguesa e Inglesa. Participou do curso de Especialização em
Metodologia do Ensino Fundamental e Médio, em 1999.
[3] Esse programa é desenvolvido
e coordenado internacionalmente pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), havendo em cada país participante uma
coordenação nacional. No Brasil, o PISA é coordenado pelo INEP – Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”.
[4] As avaliações do PISA
incluem cadernos de prova e questionários e acontecem a cada três anos, com
ênfases distintas em três áreas: Leitura, Matemática e Ciências. Em cada
edição, o foco recai principalmente sobre uma dessas áreas. Em 2000, o foco era
na Leitura: em 2003, a
área principal foi a Matemática; em 2006, a avaliação terá ênfase em Ciências. Alguns
elementos avaliados pelo PISA, como o domínio de conhecimentos científicos
básicos, fazem parte do currículo das escolas, porém o PISA pretende ir além
desse conhecimento escolar, examinando a capacidade dos alunos de analisar,
raciocinar e refletir ativamente sobre seus conhecimentos e experiências,
enfocando competências que serão relevantes para suas vidas futuras. (www.inep.gov.br).
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