sábado, 6 de outubro de 2012

A QUESTÃO DO EMPREGO DO HÍFEN NO ACORDO ORTOGRÁFICO



                

                                                                                       Cileya de Fátima Neves Moreira[1]
                                                                                             Maria Elizania Clares Sousa[2]


Resumo: Com o propósito de unificar a ortografia oficial dos países de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) e aproximar as nações, o novo acordo ortográfico proporciona mudanças que vão desde as mais simples, como a inserção oficial no alfabeto das letras k, w e y, às mais complexas, como a questão do hífen. Críticos e especialistas consideram que ele contém muitas imprecisões, equívocos, omissões, o que não contribui para o objetivo pretendido. Abordaremos, então, o emprego do hífen, bem como, algumas considerações acerca de pontos que não foram suficientemente claros.

Palavras-chave: Acordo ortográfico; o emprego do hífen; reforma ortográfica.


 “Auto-aprendizagem”, “contra-regra”, “extra-escolar”, “anti-religioso”, “anti-semita”... Estas palavras estariam corretíssimas até o momento em que surge o novo acordo ortográfico. E, agora, resta-nos a pergunta: O que, realmente, muda no emprego do hífen?
Expressas nas Bases XV, XVI e XVII do Acordo, essas regras deixam muitas dúvidas quanto à grafia que será adotada, dúvidas acentuadas pelo uso de etc. ao final de listas de exemplos, mesmo quando se trata de exceções à regra.
As regras, tal como formuladas, não se dirigem ao aprendiz ou à pessoa que deseja saber qual a grafia correta para uma determinada palavra; pressupõem um leitor especializado, um professor, um especialista no assunto, como verificamos na Base XV, item 1º do Acordo: “Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista.”
Quem tem dúvida quanto à grafia de uma palavra, em particular o aprendiz, dificilmente terá condição de decidir se foi ou não perdida (“em certos compostos” e “em certa medida”) a noção de composição.
Ainda na Base XV, item 7° do Acordo, a regra afirma que se emprega hífen em encadeamentos vocabulares, como em: a ligação Angola-Moçambique, a ponte Rio-Niterói. Neste caso, ressaltamos que esses encadeamentos vocabulares não são grafados com hífen, e sim, com meia-risca[3], também chamada de traço de ligação ou traço médio.
De fato, o uso do hífen é o mais complexo e controverso item do Acordo Ortográfico. Não será fácil assimilar todas as regras em uma primeira leitura. Com certeza, serão necessárias constantes consultas para apreensão e memorização da escrita das palavras modificadas.
A seguir, apresentamos as regras do “novo emprego do hífen”, segundo o Acordo Ortográfico:

Não se emprega o hífen nas seguintes situações:

1. Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes se duplicarem: antirreligioso, antissemita, contrarregra, antessala, infrassom, ultrarromântico, suprarrenal;
Obs.: Emprega-se o hífen nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super-, quando combinados com elementos iniciados por r: hiper-requintado, inter-resistente, super-revista;

2. Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente: extraescolar, autoprendizagem, autoestrada, autoajuda, intrauterino, infraestrutura;

3. Nas locuções de qualquer tipo (substantivas, adjetivas, pronomi­nais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais): cão de guarda, fim de semana, sala de jantar, cor de café com leite, cor de vinho, ele próprio, nós mesmos, à vontade, abaixo de, acerca de, contanto que etc.;
Obs.: Salvo algumas exceções já consagradas pelo uso: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa.
Emprega-se o hífen nas seguintes situações:

1. Nas formações com prefixo em que o segundo elemento começa por h: anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmônico, extra-humano, pré-história, sub-hepático, super-homem, ultra-hiperbólico; arqui-hipérbole, geo-história, neo-helênico, pan-helenismo, semi-hospitalar.
Obs.: Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm em geral os prefixos des- e in- e nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial: desumano, desumidificar, inábil, inumano etc.;

2. Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina com a mesma vogal em que inicia o segundo elemento: anti-ibérico, arqui-irmandade, micro-ondas, micro-orgânico.
Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se, em geral, com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar etc.
No entanto, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra inúmeras formas em que esse prefixo aparece com hífen: co-secante, co-vendedor, co-autoria, entre outras.

3. Nas formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, h, m ou n: circum-escolar, circum-murado, circum-navegação; pan-africano, pan-mágico, pan-negritude;

4. Nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam uma unidade sintagmática e semântica e o segundo elemento começa por vogal ou h: bem-aventurado, mal-afortunado, mal-estar, bem-humorado; mal-humorado; Contudo, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante: bem-criado, malcriado, bem-ditoso, malditoso, bem-falante, malfalante, bem-mandado, malmandado, bem-nascido, malnascido, bem-soante, malsoante;
Obs.: Em muitos compostos, o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença etc.

5. Nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica, mantendo acento próprio, bem como naquelas que designam espécies botânicas e zoológicas: amor-perfeito, médico-cirurgião, tenente-coronel, ano-luz, segunda-feira, conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva, couve-flor, erva-doce, feijão-verde, bem-te-vi, erva-do-chá, entre outras;
Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista etc.

6. Emprega-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares (tipo: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade, a ponte Rio-Niterói, o percurso Lisboa-Coimbra-Porto, a ligação Angola-Moçambique, e bem assim nas combinações históricas ou ocasionais de topônimos (tipo: Aus­tria-Hungria, Alsácia-Lorena, Angola-Brasil, Tóquio-Rio de Janeiro etc.).
7. Nas formações com os prefixos ex- (com o sentido de estado anterior ou cessamento), sota-, soto-, vice- e vizo-: ex-almirante, ex-diretor, ex-hospedeira, ex-presidente, ex-primeiro-ministro, ex-rei; sota-piloto, soto-mestre, vice-presidente, vice-reitor, vizo-rei;
8. Nas formações com os prefixos tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tônico (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).

9. Nas formações por sufixação apenas se emprega o hífen nos vocábulos terminados por sufixos de origem tupi-guarani que representam formas adjetivas, como açu, guaçu e mirim, quando o primeiro elemento acaba em vogal acentuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anajá-mirim, andá-açu, capim-açu, Ceará-Mirim;

10. Emprega-se o hífen nos topônimos compostos, iniciados por grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes.
Obs.: Os outros topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta etc. O topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso.

11. Emprega-se o hífen nos compostos com os elementos além, aquém, recém e sem: além-Atlântico, além-mar, além-fronteiras; aquém-fiar, aquém-Pireneus; recém-casado, recém-nascido; sem-cerimônia, sem-número, sem-vergonha.

12. Emprega-se o hífen na ênclise e na tmese: amá-lo, dá-se, deixa-o, partir-lhe; amá-lo-ei, enviar-lhe-emos.

Como percebemos, a questão do hífen é bastante complexa e exigirá de nós compromisso para, então, colocarmos em prática as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Bibliografia:
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 3. ED. Rio de Janeiro, 1999.

CINTRA, Geraldo. Algumas considerações sobre o Acordo Ortográfico. Disponível em: <http: // www.fflch.usp.br/eventos/simelp/new/pdf/mes/07.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2009.

SANTOMAURO, Beatriz; VICHESSI, Beatriz. Uma nova grafia. São Paulo, jan./fev. 2009. Seção Reportagens. Disponível em: <http: // www.novaescola.org.br>. Acesso em: 27 mai. 2009.










[1] Pós-graduanda em Língua Portuguesa e Literatura pela UVA e Professora, graduada em Letras Habilitação em Língua Portuguesa e suas Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
[2] Pós-graduanda em Língua Portuguesa e Literatura pela UVA e Professora, graduada em Letras Habilitação em Língua Portuguesa e suas Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)

[3]Serve para unir os valores extremos de uma série, como números (1–10), letras (A–Z) ou outras, indicando ausência de intervalos na enumeração. E, também, para unir palavras que tenham um nexo lógico (ex.: a viagem Lisboa–Porto).

2 comentários:

  1. De acordo com o novo acordo ortográfico, 'palavra chave' (palavras chave - pl.) escreve-se sem hífen (Ver Grande Dicionário Sacconi).

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    1. Sem hífen e separado(palavras chave)? Ou sem hífen e junto (palavraschave)?

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